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SAF: O Combustível Verde que Redefine o Futuro da Aviação e Impulsiona a Bioenergia

Por: Ágata Turini

Introdução

A aviação, um dos pilares da conectividade global, enfrenta um desafio monumental: a descarbonização. Responsável por aproximadamente 2,5% das emissões globais de dióxido de carbono (CO₂), o setor busca urgentemente alternativas viáveis ao querosene de aviação de origem fóssil¹. Nesse cenário, o Combustível de Aviação Sustentável (SAF, da sigla em inglês Sustainable Aviation Fuel) emerge como a solução mais promissora e estratégica no curto e médio prazo.

Este artigo técnico explora em profundidade o que é o SAF, seus benefícios, a história de seu desenvolvimento, os complexos processos de produção e, crucialmente, como sua ascensão está destinada a criar uma nova e robusta demanda para o mercado de bioenergia, consolidando seu papel como um combustível verde essencial para o futuro.

Uma Breve História do Voo Sustentável

A jornada em direção a uma aviação mais sustentável começou a ganhar tração no início dos anos 2000, impulsionada pela crescente conscientização sobre as mudanças climáticas. O marco inicial ocorreu em 2008, quando a Virgin Atlantic operou um voo de teste com um Boeing 747, utilizando uma mistura de 20% de biocombustível derivado de óleo de coco e babaçu em um de seus motores. Este evento pioneiro demonstrou a viabilidade técnica do uso de biocombustíveis na aviação comercial.

O passo regulatório decisivo veio em 2009, com a publicação da norma ASTM D7566, que estabeleceu os rigorosos padrões de qualidade e segurança para combustíveis de aviação sintéticos. Essa certificação permitiu que o SAF fosse oficialmente misturado ao querosene convencional (em proporções que hoje podem chegar a 50%) e utilizado em milhares de voos comerciais globalmente, garantindo a segurança e o desempenho das aeronaves².

Desde então, a indústria tem avançado, culminando em marcos recentes, como o anúncio da Petrobras em dezembro de 2025 sobre a produção do primeiro lote de SAF totalmente em território brasileiro³.

Os Benefícios Multifacetados do SAF

O principal atrativo do SAF é seu benefício ambiental. Dependendo da matéria-prima e da tecnologia de produção, o SAF pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em até 87% ao longo de seu ciclo de vida, em comparação com o querosene fóssil³. Isso ocorre porque o carbono emitido na queima do SAF é reabsorvido pelas plantas que dão origem à biomassa, criando um ciclo de carbono mais fechado.

Além dos benefícios ambientais, o SAF é um combustível “drop-in”, o que significa que é quimicamente análogo ao querosene convencional. Essa característica é fundamental, pois permite sua utilização sem a necessidade de modificações dispendiosas nos motores das aeronaves ou na infraestrutura existente de abastecimento e distribuição nos aeroportos⁴.

Estrategicamente, o desenvolvimento de uma indústria de SAF fortalece a segurança energética dos países, reduzindo a dependência do petróleo importado e criando uma nova cadeia de valor baseada em recursos renováveis locais.

Como o SAF é Produzido: As Rotas Tecnológicas

A produção de SAF é um campo de intensa inovação tecnológica, com diversas rotas certificadas pela ASTM. As mais proeminentes são a HEFA, a ATJ e a Fischer-Tropsch, além de métodos inovadores como o coprocessamento.

HEFA (Hydroprocessed Esters and Fatty Acids)
Matérias-primas comuns: óleos vegetais (soja, palma), óleo de cozinha usado, gorduras animais.
Descrição do processo: as moléculas de gordura (triglicerídeos) são tratadas com hidrogênio (hidroprocessamento) para remover o oxigênio e, em seguida, são craqueadas para atingir o tamanho de molécula do querosene.
Nível de maturidade: Alta (rota mais consolidada comercialmente).

ATJ (Alcohol-to-Jet)
Matérias-primas comuns: álcoois como etanol (de cana-de-açúcar, milho) e isobutanol.
Descrição do processo: o álcool é desidratado para formar olefinas, que são então unidas (oligomerização) para criar cadeias de hidrocarbonetos mais longas, posteriormente processadas para se tornarem querosene.
Nível de maturidade: Média (em expansão, grande potencial para o Brasil).

Fischer-Tropsch (FT)
Matérias-primas comuns: biomassa sólida (resíduos agrícolas, florestais), gás de síntese.
Descrição do processo: a biomassa é gaseificada para produzir gás de síntese (CO + H₂), que é então convertido em hidrocarbonetos líquidos através do processo Fischer-Tropsch.
Nível de maturidade: Média (tecnologia estabelecida, mas com custo elevado).

Recentemente, a Petrobras iniciou a produção de SAF através do coprocessamento em sua Refinaria Duque de Caxias (Reduc). Nessa abordagem, uma parcela de matéria-prima renovável (como óleo vegetal) é inserida diretamente na corrente de refino de petróleo, sendo processada junto com a carga fóssil em unidades de hidrotratamento já existentes. Este método representa uma solução de capital inicial mais baixo para acelerar a oferta de combustíveis com menor pegada de carbono³.

A Nova Fronteira da Bioenergia: A Demanda Gerada pelo SAF

A ascensão do SAF representa uma revolução para o mercado de bioenergia, criando uma nova e massiva demanda por matérias-primas renováveis. O setor de aviação consome volumes de combustível ordens de magnitude maiores que outros modais, e a transição para o SAF irá remodelar a economia agrícola e energética.

1. Expansão para o Setor Sucroenergético
A rota ATJ abre um mercado de altíssimo valor agregado para o etanol brasileiro, seja de cana ou de milho. A demanda da aviação pode absorver excedentes de produção e incentivar a expansão da cultura com foco em tecnologia e produtividade, indo muito além do mercado de veículos leves.

2. Valorização de Resíduos e Economia Circular
A produção de SAF via HEFA a partir de óleo de cozinha usado, gorduras animais e outros resíduos não apenas soluciona um problema de descarte, mas também transforma passivos ambientais em ativos energéticos, fomentando a economia circular.

3. Impulso à Inovação Agrícola
A demanda por óleos vegetais incentivará o desenvolvimento de culturas energéticas mais produtivas e sustentáveis, como novas variedades de soja, palma e microalgas, com foco em otimizar a produção de óleo por hectare.

O Brasil, com sua vasta experiência no agronegócio e na produção de etanol, está em uma posição privilegiada para se tornar um líder global na produção e exportação de SAF. O recente anúncio da Petrobras é um sinal claro desse potencial, inaugurando uma cadeia produtiva que integra o campo à turbina do avião. Investimentos bilionários, como os previstos no âmbito da chamada pública do BNDES e da Finep, devem acelerar a construção de biorrefinarias dedicadas, gerando empregos e desenvolvimento tecnológico⁵.

Conclusão: Decolando para um Futuro Verde

O Combustível de Aviação Sustentável é mais do que uma alternativa; é uma necessidade para a viabilidade da aviação em um mundo que caminha para a neutralidade de carbono. Embora desafios como o custo de produção e a escala ainda precisem ser superados, os avanços tecnológicos e os marcos regulatórios e industriais indicam um caminho claro a seguir.

Ao transformar biomassa e resíduos em um combustível de alta performance, o SAF não apenas limpa os céus, mas também cria uma nova e poderosa sinergia entre os setores de energia, agronegócio e aviação. Para o Brasil, esta é a oportunidade de liderar uma nova revolução industrial verde, voando em direção a um futuro mais próspero e sustentável.

Referências

[1] The Conversation. (2025). Combustível de Aviação Sustentável desenvolvido no Brasil é passo promissor rumo à descarbonização dos transportes.

[2] Mello, C. V. (2023). O SAF na aviação: o avanço dos biocombustíveis, o histórico de sua aplicação e analogia entre Brasil x França. Repositório Institucional do Conhecimento do Centro Paula Souza.

[3] Agência Petrobras. (2025). Petrobras lança combustível sustentável de aviação produzido totalmente no Brasil.

[4] Raízen. (2023). Combustível Sustentável de Aviação (SAF): o que falta para decolar?

[5] Confederação Nacional do Transporte (CNT). (2025). Combustível sustentável de aviação é uma das soluções para a transição energética do transporte aéreo.

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