Por: Ágata Turini, especialista em Bioenergia e Agronegócio
A transição energética global tem acelerado a busca por fontes renováveis que unam desempenho técnico, viabilidade econômica e impacto ambiental positivo. Nesse contexto, a macaúba (Acrocomia aculeata) emerge como uma das soluções mais completas e promissoras do agronegócio brasileiro. Tradicionalmente vista como uma palmeira nativa de uso extrativista, ela hoje desponta como base de um novo paradigma de bioenergia — combinando alta densidade energética, rentabilidade multissetorial e regeneração ambiental em larga escala.
Mais do que um simples combustível alternativo, a macaúba representa uma plataforma tecnológica e produtiva, capaz de atender simultaneamente aos mercados de biocombustíveis, biomassa sólida, química verde e créditos de carbono. Este artigo explora o potencial técnico, econômico e ambiental dessa cultura perene, analisando também os investimentos bilionários que já estão moldando o futuro da bioeconomia no Brasil.
A Dimensão Energética: Biomassa de Alta Performance
A macaúba é, na prática, uma usina natural de energia. Seus subprodutos possuem características excepcionais para aplicações térmicas e industriais:
- Endocarpo (Coquinho): poder calorífico superior entre 19 e 21 MJ/kg, superando diversas biomassas convencionais como o cavaco de eucalipto e o bagaço de cana.
- Carvão do Endocarpo: após a pirólise, atinge mais de 29 MJ/kg, rivalizando com o carvão mineral — mas sem emissão líquida de carbono.
- Baixo teor de cinzas (<1%): reduz corrosão e custos de manutenção em caldeiras, prolongando a vida útil dos equipamentos.
A comparação a seguir ilustra o desempenho energético da macaúba frente às principais biomassas utilizadas no setor industrial e sucroenergético:

Em termos práticos, a macaúba oferece até 30% mais energia útil por tonelada que o cavaco de eucalipto, com menor desgaste operacional — um diferencial decisivo para indústrias que enfrentam gargalos logísticos e custos crescentes de biomassa.
O Modelo Econômico: Diversificação e Eficiência Logística
O grande trunfo da macaúba está em seu modelo de negócios de múltiplas receitas. Diferente de outras fontes energéticas, o combustível sólido (endocarpo) não é o produto principal, mas um coproduto de alto valor agregado.
- Óleos de Alto Valor: a extração do óleo da polpa e da amêndoa abastece cadeias de biodiesel, SAF (Sustainable Aviation Fuel), cosméticos e lubrificantes.
- Endocarpo como Coproduto: o resíduo, antes descartado, passa a ter uso industrial e energético, elevando a margem de rentabilidade do cultivo.
- Logística Otimizada: o endocarpo é denso, seco e granular — características que reduzem os custos de transporte em até 60% frente a biomassas úmidas.
Essa estrutura confere à macaúba um modelo econômico resiliente, menos vulnerável à volatilidade dos mercados de energia e mais competitivo que outras culturas destinadas exclusivamente à queima.
Impactos Ambientais: Energia que Regenera
Ao contrário de muitas culturas energéticas que competem com a agricultura alimentar, a macaúba é aliada da regeneração ambiental.
- Recuperação de Pastagens Degradadas: a palmeira cresce bem em solos pobres, promovendo a reestruturação do solo e o aumento da infiltração de água.
- Sequestro de Carbono: estimativas indicam que cada hectare pode capturar entre 5 e 10 toneladas de CO₂ por ano, dependendo do sistema de manejo.
- Estímulo à Biodiversidade: os sistemas agroflorestais com macaúba atraem fauna, protegem o solo e reduzem a erosão.
Esses atributos fazem da macaúba uma cultura central no conceito de bioenergia regenerativa — em que o cultivo não apenas reduz emissões, mas restaura ecossistemas e amplia o estoque de carbono no solo.
Agricultura Integrada: O Elo da Nova Economia Verde
O futuro da macaúba está na integração produtiva. Em sistemas ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta), ela ocupa o papel de “floresta produtiva”, diversificando a renda e aumentando a resiliência da propriedade rural.
Essa abordagem permite:
- Uso otimizado da terra, com produção simultânea de alimentos, carne e energia.
- Geração de múltiplas fontes de receita e mitigação de riscos climáticos.
- Redução da pressão por novos desmatamentos, ao elevar a produtividade das áreas já abertas.
Em termos estratégicos, trata-se de uma agricultura carbono-negativa, com potencial de transformar propriedades degradadas em polos de bioenergia de baixo impacto ambiental.
Investimentos Estruturantes: O Brasil no Centro da Transição Energética
O potencial da macaúba já atraiu investimentos robustos de players globais e nacionais, sinalizando sua consolidação como nova commodity estratégica brasileira.
Acelen (Mubadala Capital) — principal protagonista do setor, com R$ 12 bilhões em investimentos.
- Construção de uma biorrefinaria na Bahia, anexa à Refinaria de Mataripe, para produzir 1 bilhão de litros/ano de diesel renovável (HVO) e SAF.
- Cultivo de 200 mil hectares de macaúba em áreas degradadas da Bahia e Minas Gerais.
- Acelen Agripark (MG): centro de inovação com foco em genética e clonagem de mudas — investimento de R$ 258 milhões com apoio do BNDES.
- Inclusão social: 20% das áreas destinadas a agricultores familiares, promovendo renda e desenvolvimento regional.
Soleá / S.Oleum — pioneira no desenvolvimento genético e uso agroflorestal da macaúba.
- Atua como AgTech e CleanTech, com foco em regeneração e sustentabilidade.
- Mantém um dos maiores bancos de germoplasma da macaúba do mundo.
- Modelo de negócios colaborativo, conectando produtores e indústrias de biocombustíveis.
Inocas — empresa brasileiro-alemã dedicada à produção regenerativa.
- Meta de 50 mil hectares plantados até 2030, priorizando pastagens degradadas.
- Parcerias com pequenos produtores para inclusão socioeconômica e certificação de carbono.
Esses investimentos criam uma cadeia de valor completa — da semente ao combustível — posicionando o Brasil como líder global na produção de biocombustíveis avançados e biomassa sustentável.
Conclusão: Da Caldeira à Bioeconomia Global
A macaúba é mais do que uma solução energética: é o símbolo de uma transição inteligente, que alia eficiência industrial, retorno econômico e restauração ambiental. Seu potencial de geração de energia, aliado a um modelo integrado e sustentável, faz dela uma candidata natural a substituir o cavaco de madeira e outras biomassas convencionais em diversas aplicações industriais.
Se bem estruturada, a cadeia da macaúba poderá representar um novo ciclo de desenvolvimento verde para o Brasil, gerando emprego, renda e crédito de carbono — ao mesmo tempo em que fortalece a segurança energética e a competitividade industrial.
O desafio agora é acelerar o plantio, garantir a oferta de mudas de qualidade e integrar logística, indústria e políticas públicas. A janela de oportunidade está aberta — e quem souber aproveitá-la poderá definir o próximo capítulo da revolução bioenergética brasileira.