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O Futuro da Bioenergia no Brasil: Entre a Inovação Tecnológica e o Desafio Humano

Por Ágata Turini

Introdução

O Brasil, um líder global em bioenergia, encontra-se em um ponto de inflexão. A crescente demanda por energia limpa e a necessidade de descarbonização impulsionam o setor a novos patamares de inovação e crescimento. No entanto, o futuro da bioenergia no país não é apenas uma questão de tecnologia, mas também de pessoas. 

Esta análise, baseada em uma entrevista concedida ao Grupo Fertron com o especialista Hugo Cagno, Diretor do Grupo Tereos e Presidente da UDOP, e em uma pesquisa aprofundada sobre as tendências do setor, explora os caminhos e desafios que moldarão a próxima década da bioenergia no Brasil.

O Fator Humano: Um Chamado à Ação

Um dos maiores desafios para o futuro da bioenergia no Brasil não está no campo ou no laboratório, mas na formação de pessoas. Hugo Cagno, com seus 51 anos de experiência no setor, é enfático ao apontar a falta de mão de obra qualificada como um gargalo para o crescimento. “Ninguém quer ir pro campo, ninguém quer trabalhar”, lamenta, destacando a falta de interesse dos jovens em carreiras na área industrial e agrícola.

A mudança de mentalidade, com a preferência por trabalhos em escritórios e no ambiente digital, cria um vácuo de profissionais dispostos a atuar na linha de frente da produção. Para contornar essa situação, a iniciativa privada tem assumido a liderança na capacitação. Cagno menciona parcerias com empresas como a Datá para a criação de cursos e treinamentos rápidos, que oferecem uma base sólida para novos operadores de máquinas.

Essa abordagem pragmática, que não espera por soluções governamentais, é essencial para suprir a demanda por profissionais qualificados e garantir a continuidade das operações em um setor cada vez mais tecnológico.

A Fronteira Tecnológica: Inovações que Moldam o Futuro

Paralelamente ao desafio humano, a tecnologia avança a passos largos. O futuro da bioenergia é marcado por inovações que prometem aumentar a eficiência, a sustentabilidade e a competitividade do setor. Entre as principais tendências, destacam-se:

• Etanol de Segunda Geração (Celulósico): Uma das mais promissoras inovações, o etanol celulósico permite a produção de biocombustível a partir de resíduos agrícolas, como o bagaço e a palha da cana-de-açúcar. Essa tecnologia tem o potencial de aumentar a produção em até 50% sem a necessidade de expandir a área plantada.

• Biotecnologia e Engenharia Genética: O desenvolvimento de variedades de cana-de-açúcar e outras culturas mais produtivas, resistentes a pragas e adaptadas a diferentes condições climáticas é fundamental para o aumento da eficiência agrícola. A engenharia genética também tem sido aplicada no desenvolvimento de leveduras e bactérias mais eficientes para o processo de fermentação.

• Automação e Inteligência Artificial: A agricultura 4.0 já é uma realidade no setor sucroenergético. Tratores e colheitadeiras autônomas, equipados com inteligência artificial, otimizam o plantio, a colheita e a logística, reduzindo custos e aumentando a produtividade. No entanto, como ressalta Cagno, “não adianta nada inteligência artificial se a gente não tiver o cérebro, a pessoa” para operar e gerenciar essas tecnologias.

• Tecnologias de Captura de Carbono: A busca por uma economia de baixo carbono tem impulsionado o desenvolvimento de tecnologias como o BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage) e o biochar. O BECCS captura o CO2 emitido durante a produção de etanol e o armazena em formações geológicas, enquanto o biochar, um tipo de carvão vegetal, sequestra o carbono no solo. Essas tecnologias têm o potencial de tornar o etanol um combustível com pegada de carbono negativa, ou seja, que retira mais carbono da atmosfera do que emite 1 .

Sustentabilidade como Pilar: Crescimento sem Compromisso

A expansão da produção de bioenergia no Brasil pode e deve ocorrer de forma sustentável. Um estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) aponta que o país pode mais do que dobrar a produção de biocombustíveis até 2050 sem a necessidade de novos desmatamentos. A chave para isso está no aproveitamento de pastagens degradadas, que somam cerca de 56 milhões de hectares, e no investimento em culturas de alta produtividade, como a macaúba, que pode produzir até dez vezes mais óleo por hectare do que a soja 2 .

Para garantir que a expansão da bioenergia não pressione os ecossistemas naturais, é fundamental a implementação de políticas de monitoramento e regramento do uso do solo, além de salvaguardas socioambientais. O compromisso com o desmatamento zero, assumido pelo Brasil, deve ser um pilar inegociável na estratégia de crescimento do setor.

Um Futuro Diversificado e Resiliente: Além da Cana-de-Açúcar

Apesar da dominância da cana-de-açúcar, o futuro da bioenergia no Brasil será cada vez mais diversificado. Novas matérias-primas estão ganhando espaço e prometem aumentar a resiliência e a competitividade do setor:

• Milho: O etanol de milho já é uma realidade, respondendo por cerca de um quinto da produção nacional em 2024. A expansão dessa cultura, principalmente na segunda safra, tem impulsionado a construção de novas usinas e consolidado o Brasil como um player relevante nesse mercado 3 .

• Sorgo e Trigo: As primeiras usinas comerciais de etanol de sorgo e trigo estão entrando em operação, abrindo novas fronteiras para a produção de biocombustíveis em regiões onde a cana-de-açúcar não é viável.

• Agave: A planta utilizada na produção de tequila tem se mostrado uma alternativa promissora para a produção de etanol em regiões semiáridas, como o Nordeste brasileiro.

A diversificação de matérias-primas, além de aumentar a oferta de biocombustíveis, reduz a dependência de uma única cultura e contribui para a segurança energética do país.

Conclusão: O Brasil na Vanguarda da Revolução Bioenergética

O futuro da bioenergia no Brasil é promissor e desafiador. A combinação de inovação tecnológica, diversidade de matérias-primas e um vasto potencial de expansão sustentável coloca o país em uma posição privilegiada para liderar a transição energética global. No entanto, para que essa promessa se concretize, é fundamental um esforço conjunto entre o setor privado, o governo e a sociedade para superar o desafio da formação de capital humano.

Como afirma Hugo Cagno, “guardar pra gente não serve pra nada”. A transmissão de conhecimento e a capacitação de uma nova geração de profissionais são o combustível que alimentará a revolução bioenergética brasileira. 

Com investimento em pessoas e tecnologia, o Brasil tem tudo para consolidar sua vocação como uma potência agroambiental, gerando energia limpa, desenvolvimento econômico e um futuro mais sustentável para todos.

Referências

[1] Embrapa. “Tecnologias podem zerar, e até negativar, a pegada de carbono do etanol brasileiro”.

[2] Observatório do Clima. “Brasil pode expandir biocombustíveis sem desmatar, mostra estudo”. 

[3] Inova Unicamp. “Novas matérias-primas diversificam a produção de etanol no país”.

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