Fertron

O Paradoxo do Sucesso: Como o Preço do Cavaco Ameaça o Futuro do Etanol de Milho

Por: Ágata Turini, especialista em Bioenergia e Agronegócio

O agronegócio brasileiro assiste a um de seus mais impressionantes casos de sucesso: a ascensão do etanol de milho. Com uma rentabilidade que chega a ser duas vezes superior à do etanol de cana e um pipeline de investimentos que ultrapassa os R$ 23 bilhões, o setor vive um otimismo contagiante [1]. Contudo, por trás dos números superlativos, uma ameaça silenciosa ganha força e pode comprometer a viabilidade de toda a cadeia produtiva. Trata-se do crescente gargalo da biomassa, especificamente do cavaco de madeira, cujo preço em escalada e crescente escassez logística acendem um sinal de alerta para o futuro da bioenergia no país.

Este artigo elucida a dimensão deste problema, analisando os impactos econômicos diretos sobre as usinas e as consequências de longo prazo para a sustentabilidade do setor. O que hoje é um detalhe operacional pode se tornar, em um futuro próximo, o fator determinante entre o lucro e o prejuízo.

A Dimensão do Problema: Uma Dependência Crítica

A produção de etanol de milho é um processo termicamente intensivo. Para cada tonelada de milho processada, as usinas demandam, em média, meia tonelada de biomassa para alimentar suas caldeiras [2]. Essa relação direta cria uma dependência crítica. Com a produção atual de 8,5 bilhões de litros, a indústria já consome anualmente cerca de 19 milhões de metros cúbicos de cavacos de madeira, o que representa impressionantes 34% de toda a produção de lenha do Brasil, segundo dados do JP Morgan [3].

O cenário se agrava com as projeções de crescimento. A expectativa é que a produção salte para 15,5 bilhões de litros até o final de 2026, o que pode praticamente dobrar a demanda por biomassa em apenas dois anos [3]. Essa pressão sobre a oferta tem um reflexo direto e inevitável nos preços.

A Escalada Insustentável dos Preços

A análise da evolução dos custos do cavaco de madeira revela uma tendência alarmante. Em um período de apenas seis anos, o preço médio da tonelada mais do que dobrou, saltando de R$ 120 para R$ 240. Em regiões mais distantes dos centros de produção florestal, a situação é ainda mais crítica, com usinas chegando a pagar R$ 500 por tonelada [4].

Somado a isso, o custo logístico agrava o problema. O raio ideal de fornecimento de biomassa para uma usina é de até 200 quilômetros. No entanto, a realidade em estados como Mato Grosso, epicentro da produção, já mostra entregas a mais de 600 quilômetros de distância. Glauber Silveira, diretor da Abramilho, alerta que, em alguns casos, “o frete está saindo mais caro do que a própria biomassa”, tornando a operação inviável [3].

Impactos Econômicos na Cadeia Produtiva

Apesar de sua alta rentabilidade, com um Retorno sobre o Capital Investido (ROIC) de 18,1% contra 11,4% do etanol de cana [1], a escalada de custos da biomassa começa a erodir a principal vantagem competitiva do etanol de milho.

Segundo cálculos do Itaú BBA para a safra 2025/26, o custo de produção do etanol de milho é estimado em R$ 1,79 por litro, consideravelmente inferior aos R$ 2,55 por litro do etanol de cana [1]. Essa vantagem de R$ 0,76 por litro é o que garante as margens atrativas do setor. Contudo, a contínua valorização da biomassa, que já representa um custo de R$ 7,71 por saca de milho processada [4], ameaça anular essa diferença, especialmente para projetos localizados longe de fontes de biomassa barata.

O risco se estende aos novos investimentos. Com 18 usinas em construção e outras 19 em fase de projeto, o setor tem R$ 23 bilhões comprometidos [1]. Muitos desses projetos greenfield estão sendo erguidos em novas fronteiras agrícolas, onde a infraestrutura de fornecimento de biomassa ainda é incipiente ou inexistente. Para estes, o risco de inviabilidade econômica é ainda maior.

Consequências para o Futuro da Bioenergia

O gargalo da biomassa transcende o balanço financeiro das usinas e se torna um problema estratégico para o futuro da bioenergia no Brasil. A expansão desordenada, sem um planejamento integrado da cadeia de suprimentos de biomassa, pode levar a um “apagão de biomassa” em certas regiões, com uma competição predatória entre as plantas.

Isso gera uma pressão crescente sobre as florestas plantadas, principalmente de eucalipto. O ciclo de crescimento do eucalipto, de aproximadamente sete anos, exige um planejamento de longo prazo que parece não estar acompanhando a velocidade de expansão das usinas de etanol. Se a demanda por biomassa não for suprida de forma sustentável, pode haver um comprometimento das metas de descarbonização do Brasil, uma vez que o etanol de milho é uma peça-chave na transição energética, com projeção de representar 40% da oferta total de etanol até 2030 [1].

“Via de regra, uma tonelada de milho processada demanda meia tonelada de biomassa de cavaco. Acho que isso é um desafio que temos que superar caso a caso, região por região.” — Renato Pretti, CEO da CerradinhoBio [2]

Soluções Emergentes e Suas Limitações

O setor já busca alternativas. A diversificação da matriz de biomassa é a principal delas. Empresas como a ComBio já operam com até 14 tipos diferentes de matéria-prima, incluindo bagaço de cana, casca de arroz, caroço de algodão e até bambu [2]. A adoção de caldeiras flexíveis, capazes de queimar diferentes tipos de biomassa, torna-se um diferencial competitivo.

As usinas flex, que processam tanto cana-de-açúcar quanto milho, levam vantagem ao poder utilizar o bagaço da cana como fonte de energia. No entanto, essa solução é restrita a regiões com dupla vocação agrícola e está sujeita à arbitragem com o preço da energia elétrica cogerada.

Conclusão: Um Alerta Necessário

O etanol de milho brasileiro vive um paradoxo: nunca foi tão rentável e promissor, mas sua fundação energética nunca esteve tão ameaçada. A duplicação do preço da biomassa em apenas seis anos não é um mero detalhe operacional, mas um sinal de alerta vermelho para toda a cadeia de valor.

O futuro da bioenergia no Brasil não depende apenas da produtividade dos milharais ou da eficiência das plantas industriais. Depende, fundamentalmente, de uma solução estratégica e de longo prazo para o fornecimento de biomassa. Investidores devem incluir a análise de disponibilidade e custo de biomassa como fator crítico em seus modelos de viabilidade. O setor, por sua vez, precisa colaborar para desenvolver cadeias de suprimento sustentáveis. E os formuladores de políticas públicas devem criar incentivos para o plantio de florestas energéticas e o desenvolvimento de tecnologias alternativas.

Quem não planejar o suprimento de sua “bateria de carbono” hoje, pode descobrir que sua usina se tornou inviável amanhã.

Referências

[1] NovaCana. (2025, 30 de setembro). Etanol de milho pode chegar a 18,7 bi L em 2030; rentabilidade é superior à da cana. https://www.novacana.com/noticias/etanol-milho-chegar-18-7-bi-l-2030-rentabilidade-superior-cana-300925

[2] NovaCana. (2025, 3 de setembro). Para novas usinas, oferta de biomassa é desafio nacional com soluções regionais. https://www.novacana.com/noticias/novas-usinas-disponibilidade-biomassa-desafio-nacional-solucoes-regionais-030925

[3] The AgriBiz. (2025, 25 de agosto). No boom do etanol de milho, biomassa é o gargalo. https://www.theagribiz.com/empresas/bioenergia/no-boom-do-etanol-de-milho-biomassa-e-o-gargalo/

[4] The AgriBiz. (2025, 21 de outubro). Etanol de milho alcançará a cana em 2034, prevê Datagro. https://www.theagribiz.com/empresas/bioenergia/etanol-de-milho-alcancara-a-cana-em-2034-preve-datagro/

Posts Recentes

Sustentabilidade da Cadeia da Bioenergia: Entre o Protagonismo na COP 30 e os Desafios do Agronegócio Brasileiro

Por Ágata Turini, especialista em agronegócio e bioenergia. O Brasil se prepara para sediar a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP [,,,]

Etanol de Milho — da Revolução Americana à Oportunidade Brasileira

Descubra como o etanol de milho transformou as Américas e se tornou oportunidade estratégica para o Brasil na bioenergia e no agronegócio. [,,,]

Painéis de Comando Elétrico: Eficiência, Segurança e Confiabilidade para sua Indústria

Descubra como painéis de comando elétricos elevam a confiabilidade e reduzem custos operacionais em indústrias. [,,,]